09 abril 2010

Sobre a profissão de músico


















“O que você faz?”. “Sou músico”, respondo. Logo vem a réplica: “Tá, mas quero saber no que você trabalha...”. Emudeço. De tristeza, de vergonha, de medo.

O mito de que músico tem “vida fácil” está relacionada com a visão romântica da profissão – a do ser que anda por aí com seu violão debaixo do braço, tocando nos bailes da vida em troca de pão, sem lenço sem documento. Por isso, é bom esclarecer alguns ditos atribuídos aos músicos:

1) - “Como toca bonito. Pra ele é tão fácil. Ser músico é um dom divino". É parcialmente correto. Talento é o começo de tudo. Mas saber desenvolvê-lo, e ter as condições materiais e técnicas para se atingir bons resultados, é importante. Assim, muitos ignoram que o músico profissional gasta muitas horas fazendo estudos teóricos e técnico-musicais, organização de repertório, ensaios em grupo, produção de shows, contatos comerciais, gestão de carreira e projetos. É trabalhoso.

2) - “Músico ganha bem: toca só umas horinhas por noite e já sai com o bolso cheio”. A frase é totalmente inverídica. Além do show propriamente dito, geralmente o músico teve que montar o equipamento de som (que muitos locais não oferecem, e às vezes nem uma tomada elétrica decente é encontrada no local), providenciar um controle de portaria (que muitos locais não oferecem), realizar a divulgação e chegar na hora certa pra começar o show com roupa bonita, penteado e perfumado. Quanto custa tudo isso? Resposta: em geral, muito mais do que uma noite movimentada no barzinho que cobra R$ 3 de couvert artístico consegue pagar. E olha que ninguém recolheu o INSS nem gerou benefício trabalhista algum para o músico.

3) - “Ser músico deve ser muito prazeroso e relaxante... sentar-se lá e tocar por horas e horas, se deliciando”. Depende. Há uma espécie de “vácuo” comportamental em certas situações que envolvem música nos dias de hoje que podem gerar desgaste para os artistas e, claro, para o público. Se estamos num bar com música ao vivo, qual é o comportamento esperado? Aplausos no fim de cada número? Ou um suspiro de alívio quando o som alto para e podemos conversar? Devemos pagar o couvert como um serviço de que desfrutamos, ou não devemos, assim como nos negamos a dar gorjeta para os flanelinhas que apareceram pra cuidar do carro sem ser requisitados? Se estamos em um show em local público, como praça ou clube, o músico deve parar o show a cada buzina ou grito de crianças correndo? Ou apenas aumentar o som do equipamento para se fazer ouvir a todo custo?

No entanto, o show deve continuar.

* publicado na Folha de São Carlos, no dia 8/4, na coluna ETC & Jazz do caderno "Moitará"

9 comentários:

  1. Bom Murilo..você é o "jazz brasileiro", jazz de jornalista competente e sensível. É a mais pura verdade e do jeito que as coisas vão...e há muito tempo ouço, desde os tempos do cursinho Objetivo, que ."a situação tá caótica"..continua caótica e eu como aposentada do INSS, afirmo e reafirmo: Músicos, exerçam suas funções com a dignidade que seus talentos proporcionam, mas faça uma atividade que lhes dê renda, porque para o músico da noite, o couvert artístico não vai integralmente pra ele, fica uma porcentagem pra casa (vergonha!!), o músico que vive de shows, nessa linha de música elaborada, ainda são parcos devido aos ouvidos da massa brasileira.Então, não adianta!! eu vi isso antes e já me precavi...a música é ilusão como renda , como sobrevivência.. e quando você músico for vivê-la, entregue-se como se fosse sua patroa, obedecendo suas regras e seus princípios....Outra coisa importante, a meu ver, é que há, como na política, um corporativismo na música. Só entra quem é do "time"..filho do famoso, sobrinho da famosa..Vergonhoso. Por isso, fico tão feliz quando estou no palco, porque a minha dignidade por estar ali, naquele momento, vem da "solidão" do meu mundo musical e da certeza de não ter ultrapassado nenhum limite, nem lesado quem quer que seja...Música é isso; Momentos felizes..MURILO, sou sua fã...

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  2. Pois é Bia, sinceramente a situação é complicada, e manter a dignidade nesse contexto é mesmo uma postura de que poucos podem se orgulhar. Eu procuro me manter cético em relação a tudo isso, por isso mesmo procuro é propor minhas idéias - tanto nesses textos do blog como nos projetos artísticos de que participo. Os momentos felizes acabam aparecendo mesmo. E vamos sobrevivendo com as migalhas que sobram debaixo da mesa, enquanto ainda sobram. E ainda teimo em acreditar que vão continuar sobrando, pois acho que quando não houver mais migalhas, é porque não tem mais "mesa", e aí já era...
    Eu também sou seu fã, nem preciso falar...

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  3. Larguei a "carreira" musical depois que me casei. Ser músico é como ser um sacerdote, deveria ser mantido por uma instituição (não me refiro a governos) para poder dar vazão a sua arte sem precisar se preocupar em se vender para ser popular e assim sobreviver. Também deve praticar o celibato pois os deuses da música não aceitam que seus súditos dividam a atenção com outras entidades como cônjuge ou filhos.

    Claro que é ironia... (utopia?)

    Abç!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Caso queira compartilhar ideias: http://rodmanog.blogspot.com

    Abraço!

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  6. Sobre arte como meio de vida, só tenho a dizer que ficou bem difícil depois que as monarquias pararam de bancar compositores (coisa do século XVIII). Pois é, música não enche barriga, é uma escolha que pode ser bem insustentável, mas por enquanto venho conseguindo manter o ritmo.

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  7. Realmente verdade tudo isso.
    O Problema também é que o nível educacional e cultural do país influência na receptibilidade do público quanto a música. As pessoas caem nesses três tópicos para falar sobre música e músicos prq a maioria nem se preocupa em apreciar realmente algum tipo de arte. Na Europa vc tem música erudita, e instrumental em praças e da certo. No Brasil isso esta timidamente começando agora com alguns pequenos incentivos. Acho que agora que saiu a lei tendo nas escolas como matéria obrigatória música, a coisa vai melhorar bem. Não prq das escolas sairão músicos formados, mais sim pela formação de público. Daqui cinco anos, a próxima geração que estiver saindo do sistema educacional, já terá melhores bases pra diferenciar e boa música da música da caça níquel. Assim espero.

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  8. Exato Paulo, e é por isso que eu não perco as esperanças. Educação é solução pra muita coisa, inclusive para orientar as pessoas para um convívio aberto para todos os estímulos artísticos existentes, em direção contrária ao consumismo e individualismo que estão muito em alta hoje em dia.

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  9. Pois é, só a educação pode mudar isso...
    E todos os músicos deveriam ter consciência disso, sendo professores ou não...

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