11 dezembro 2009

Limites para o jazz ou... cadeia neles!










Stanley Crouch, crítico de jazz

Estarrece-me uma notícia no portal UOL Música sobre um senhor que teria chamado a polícia em um festival de jazz na Espanha. O motivo: o grupo não estaria tocando jazz mas sim música contemporânea. Se fosse no Brasil, provavelmente os "homi" teriam dado risada. Mal sabem datilografar um boletim de ocorrência pra furto de galinha, quanto mais apartar piti de jazzófilo amador. Mas algum engravatadinho do Ministério Público ou velhaco do Procon - ambos sedentos por um espaço no telejornal - teria se manifestado em favor da devolução do dinheiro ou pela intimação dos produtores, músicos e promotores do evento por propaganda enganosa. Propaganda enganosa?

Existe um famoso festival de jazz chamado Montreaux Jazz Festival, que acontece há mais de trocentos anos na honestíssima Suíça. Basta checar no link acima, que traz a programação deste ano de 2009, e você perceberá o que só o senhor espanhol acima não viu: um festival de jazz não tem só jazz na programação.

A discussão vai longe, mas começa de uma pergunta simples: o que é jazz então? Na programação do Montreaux Jazz Festival, há respostas fáceis - Black Eyed Peas (descrito na página como "um concerto que promete decibéis de pura energia") diz respeito muito mais a uma banda de pop, rock, soul, funk do que exatamente jazz, certo? E o que dizer de Prince? Babyface? Seal? Todos excelentes artistas, mas que trazem pouquíssimos elementos em suas músicas que possam ser relacionados ao jazz. Seja por razões comerciais, seja porque as inúmeras misturas entre jazz, rock e funk realmente dificultaram a definição do que seja o jazz, esses artistas estavam tocando em um festival de jazz. *

O senhor espanhol reclamava de algo ainda mais inusitado: que a música era por demais contemporânea, e não jazz. Isso me lembra um certo esperneio fascista de uma das mais tradicionais correntes do pensamento musical norte-americano, liderada por críticos como Stanley Crouch . Para ele, está excluída da definição de jazz tudo o que aconteceu depois de 1969. Vanguarda? Isso é barbárie. Tradição sim, é civilização, e tudo fora disso é uma eterna luta entre bárbaros - os músicos de rock, rap, funk, e os abobalhados vanguardistas - e guardiães do templo da música - os neoconservadores do jazz.

Stanley Crouch diz que rock, rap e vanguarda não passam de expressões artísticas típicas de adolescente, que não lidam com emoções, apenas as vomitam, mal-digeridas, nas pessoas em volta. Jazz e música clássica sim, têm a ver com expressões maduras, adultas, que envolvem alguma sofisticação de linguagem, refinamento de repertório, códigos elaborados e expressividades subjetivas. Tudo isso soa lógico, tem fundamento. Portanto - no pensamento crouchiano - são mundos distintos, intocáveis, incompatíveis entre si. Fusão nem pensar.

Crouch parte de uma premissa verdadeira, mas chega a uma conclusão falsa. Bobagem de adulto quadrado. Assim como os mais sofisticados adultos têm seus "cinco minutos" de bobeira - tomando porres, contando piadas idiotas, usando fraldas e perucas em bailes de carnaval -, também os adolescentes às vezes se metem em encrencas de adultos quando decidem participar de atividades e manifestações políticas, intervenções culturais, entre outras.

Música - em especial, o jazz - tem a mesma capacidade de se desvencilhar de vez em quando de amarras culturais, ideológicas, históricas, religiosas, moralistas e etc para "enfiar-o-pé-na-jaca" da brincadeira juvenil, misturando-se com rocks, ritmos latinos festivos, funks, batidas eletrônicas. E o flerte com a vanguarda também é saudável - o jazz se torna mais introvertido, denso, posudo, até mesmo hermético - mas isso é parte da adolescência, vivenciando sentimentos adultos até pelo "excesso de intelectualismo".

Stanley Crouch não entendeu isso. O senhor espanhol que chamou a polícia também não. "Prendam o jazz! Já não se toca mais como antigamente...", gritavam os guardiães da boa música, enquanto os vanguardistas e adolescentes se divertiam ouvindo toda a balbúrdia, tão contemporânea e espontânea como um happening de John Cage.



*existe um outro festival que está "pegando" no Brasil que se chama Tudo é Jazz. É até mais purista do que o festival de Montreaux, mas trouxe na programação de 2009 a cantora Madeleine Peyroux (uma espécie de "cópia country" de Billie Holliday) junto com Mart´nália, filha de Martinho da Vila.

2 comentários:

  1. Muito interessante a comparação que o Stanley Crouch faz entre expressões artísticas adolescentes e maduras, mas daí imaginar o mundo da música sem nenhuma "fusion" é realmente algo muito estranho. Talvez ele devesse ouvir Assim Falou Zarathustra - do Richard Strauss - na versão do Eumir Deodato. Quem imaginaria que um poema sinfônico viraria um hit dançante nos anos 70? Ah...mas eu esqueci...tudo o que foi feito no jazz depois de 1969 é irrelevante segundo ele...sendo assim...

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  2. acho até que ele já ouviu, mas deve ter achado um lixo comercial. Os puristas não se divertem nunca...

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