20 julho 2009

Piano e violão, uma nova aventura



Algumas gigs eventuais podem dar origem a trabalhos mais sólidos. Foi o que aconteceu comigo ao tocar com o guitarrista são-carlense Thiago Carreri , que me convidou para fazer um som com ele em um coquetel. O contratante pediu músicas na linha César Camargo Mariano & Romero Lubambo, assim como alguém pede gelo e limão na coca-cola. Numa segunda-feira, pra tocar na quarta. Num estalar de dedos, assim, fácil. Como ele é meio louco e eu também, topamos o desafio.

Quem já ouviu as gravações da dupla, inclusive em DVD, sabe que de fácil a tarefa não tem nada. César Camargo dosa a expressividade de cada nota do piano, deixando os sambas mais ardentes de Djavan com cara de cool jazz, mas sem perder uma gota de suíngue. Ou reencontra a chama latina de um standard de jazz americano aplicando-lhe alguma síncope de samba. Redistribui o ritmo, desdobra o andamento, e às vezes o dobra, mistura boogie-woogie com partido alto e obtém um resultado surpreendente, que destaca o fraseado limpo e refinado do violão de Romero Lubambo. Dois mestres tocando juntos, recriando temas de jazz, sucessos da MPB e também composições próprias com as belas e amadeiradas tintas harmônicas de seus instrumentos, ambos de cordas.

Apesar de parecer simples e despojado, o dueto de piano e violão pede alguns cuidados. São dois instrumentos praticamente completos, que disponibilizam, sozinhos, múltiplas possibilidades de ritmo, melodia e harmonia. Imagine se combinados. Percebi isso quando sentamos, eu e Thiago, para o primeiro (e único) ensaio. Quem toca o tema? Quem acompanha o quem? Entrar de sola no samba ou fazer uma exposição em rubato? Usar os timbres mais agudos ou explorar os graves - pra não embolar tudo na região média, onde tanto o piano como o violão têm ótimo rendimento? Melhor deixar as dúvidas de lado e começar logo a tocar, e ver o que acontece. E não é que resultou em um ótimo dueto?

A expressividade é a marca do trabalho. Após buscarmos um repertório leve, bem brasileiro, mesclado com standards de jazz e sucessos da MPB, passamos a desenvolver uma história - um pequeno arranjo - pra cada um deles. Thiago é muito sensível e improvisa com ótimo senso de espaço, respirando entre frases, aproveitando cada deixa do acompanhamento para responder com um novo motivo. E sabe o momento certo de deixar de ser o solista para acompanhar o solo de piano, mudando para as regiões mais graves do violão. Isso permitiu um instantâneo entrosamento, criando um senso de cumplicidade entre os sons que transmite a alegria de cada acorde, a felicidade das notas certas, a gratidão pelas deixas provocativas que cada um lançava sobre o outro. Apesar de bem livre, o som tinha melhor acabamento que um simples jam session.

Durante a apresentação no coquetel, que aconteceu no SESC São Carlos, o técnico de som disse que ia tentar gravar com um aparelho de MD (Mini-Disc) que ele tinha sobrando, mas não demos muita bola. No final, ele nos entregou o disquinho, com quase 2 horas de som. Pra nossa surpresa, o áudio ficou muito bom. Um ótimo bootleg (termo utilizado pelos audiófilos para nomear gravações feitas ao vivo, sem a qualidade ideal de um estúdio móvel).

Divido com vocês essas 13 músicas, disponíveis para download (podem copiar e distribuir à vontade, contanto que citem a fonte), com todos os defeitos e virtudes que apresentam. Os defeitos, claro, estarão sempre presentes em trabalhos fechados assim de última hora, sem muito ensaio (é só notar como alguns temas como "A Paz" e "Tristeza do Jeca" apresentam algumas "notas na trave" bem aparentes). Nem se compara ao feito de CCM & RL. Mas também as virtudes se destacam, como a máxima espontaneidade dos improvisos, as inesperadas rearmonizações, algumas dinâmicas muito expressivas, que mostram que os músicos estavam se provocando, se comunicando, descobrindo juntos as possibilidades do novo trabalho.

A paz (João Donato)

All Blues (Miles Davis)

As rosas não falam (Cartola)

Chovendo na Roseira (Tom Jobim)

Encontros e Despedidas (Milton Nascimento/Fernando Brant)

Fotografia (Tom Jobim)

In a Sentimental Mood (Duke Ellington)

Nanã [Coisa n 5] (Moacir Santos)

Samba de uma Nota Só (Tom Jobim)

Stella by Starlight (Victor Young)

The Nearness of You (Hoagy Carmichael)

Tristeza do Jeca (Angelino de Oliveira)

Watermelon Man (Herbie Hancock)

4 comentários:

  1. Todas muito boas, mas eu achei All Blues fantástica!

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  2. Fotografia também ficou um biscoito fino, digno de tomar com os melhores chás.

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  3. Você achou partituras das musicas do dvd DUO de Cesar Camargo Mariano & Romero Lubambo? Eu ia adorar gastar semanas tirando esses sons (sou tecladista). abraço amigão, ótimo trabalho.. Heron Roberto - SC

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  4. Na verdade não sei se existem partituras do trabalho, mas com certeza seria uma ótima fonte de estudo.

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