14 agosto 2009

Londrina Jazz Trio (2001 - 2005)

Rafael Reina

Alguém já disse que não se vive se não fizer um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Eu já plantei uma árvore, a idéia de filho ainda não entra na minha cabeça e, em lugar do livro, fiz um CD.

Em abril de 2004 entrei no Áudio Sonora Estúdio junto com Gilberto de Queiroz (na época trombonista e baixista) e Paganini (o batera mais louco que há) para gravar o "Misturada", primeiro e único disco do saudoso Londrina Jazz Trio. O disco está à disposição para download gratuito aqui no blog (veja aí ao lado).

O Londrina Jazz Trio agitou o cenário londrinense da música instrumental de 2001 a 2005 apostando em composições próprias que chegaram até mesmo a ficar conhecidas pelo público que acompanhava as apresentações. O disco é uma bela fotografia do momento pelo qual passava o grupo, tendo amadurecido as diversas composições em dezenas de shows por Londrina e região. Foram apresentações em duas edições do Festival de Música de Londrina, em duas edições do Londrina Jazz Festival - numa delas abrimos um show de Hermeto Pascoal, noite inesquecível -, uma no Festival Internacional de Teatro de Londrina (dessa foto aí em cima, em plena Concha Acústica lotada, quando ainda se podia fazer shows à noite por lá...), participação em discos de artistas regionais e criação de uma jam session que acontecia às quartas-feiras no bar Valentino, onde vários outros artistas apareciam para mostrar o trabalho de música instrumental, que crescia na cidade.

O mais empolgante do som desse trio era a imensa vontade de improvisar, de tocar apenas sabendo o começo das músicas, com poucos arranjos, mas muita abertura para o imprevisível, para o som que vinha do outro. Isso transparece em "Misturada". Muitas vezes abusávamos das introduções ad libitum, em que eu criava um clima e os outros tinham que saber o momento certo de começar. E quase sempre Paganini tinha um groove quebrado pra colocar na condução, ignorando tempos fortes e fracos e aumentando a vibração e o desafio. Gilberto sempre contornava a harmonia com notas que abriam novas possibilidades, parecendo que adivinhava as rearmonizações que eu ia fazer no teclado. Era um exercício constante de improviso, no limite entre o free-jazz e o mainstream.

O interessante é que, mesmo sendo muito livre, o improviso não era pesado ou barulhento. O grupo tinha um senso de espaço que lembra às vezes, o jazz mais introvertido dos discos da gravadora ECM, cheio de silêncios que provocam, insinuam, questionam. Uma vez um repórter de uma revista de música, não me lembro qual, nos entrevistou justamente sobre isso, e perguntou porque usávamos tanto o silêncio nos improvisos. Estranhei a pergunta, porque só fui perceber isso depois que ouvi atentamente ao "Misturada".

Talvez isso aconteça porque, apesar das influências das músicas latina e brasileira serem óbvias, a forma como os improvisos são abertos, livres, dão uma cara mais americanizada para o som, que foge um pouco da forma como o jazz brasileiro e o jazz latino costumam soar. O disco mostra bem essa identidade múltipla do trio, com 8 composições de diferentes estilos.

1) Misturada (Gilberto de Queiroz) - essa música explora os ritmos nordestinos como ijexá (ou afouxé), calango e baião. Os improvisos acabam trazendo elementos da música latina e são bem dinâmicos.

2) Para Cima (Gilberto de Queiroz) - antes da introdução, Gilberto decidiu na hora fazer um improviso, onde o baixo toca a melodia nas regiões agudas e o piano elétrico rearmoniza o tema. em seguida, entra a bateria, tocando uma bossa-nova "quebrada", em 11 tempos. Durante os improvisos a bossa-nova vai sendo "implodida" pelos ataques de bateria e piano em tempos incomuns.

3) Samba pra Junior (Murilo Barbosa) - espécie de samba latino que sempre foi uma das mais pedidas nas apresentações do LJT. Talvez porque nessa música o grupo conseguisse fazer improvisos mais ousados, e também pelas performances impressionantes de Paganini, que tocava esse samba com muita técnica e musicalidade. A versão do disco tem um solo de bateria de mais de cinco minutos.

4) Little Mom' (Gilberto de Queiroz) - uma balada inspirada na harmonia de Miles Davis, com abstrações de ritmo e harmonia em um nível absurdo, beirando a dissolução total. Minha preferida.

5) Sinfonia Valentino (Murilo Barbosa) - composição quase minimalista, feita para tocar nas jam sessions de quarta-feira. Já estava virando hit no bar, pois tem estilo progressivo, com baixo em ostinato que dá o tom dos improvisos, feitos de forma mais solta.

6) Peto (Gilberto de Queiroz) - sambinha estilo partido alto, uma homenagem do Gilberto ao filho dele, que faz uma participação especial cantando "Marcha Soldado" na abertura. Um erro na edição fez com que ele cantasse duas vezes...

7) Vardom Waltz (Gilberto de Queiroz) - composição do Gilberto com harmonia moderna e um tempo composto, espécie valsa hard-bop que é um desafio para improvisar. A marca é a condução da bateria, bem ao estilo "Paganini" de tocar, cheio de grooves variados e fills em momentos inauditos.

8) La Calle Esmeraldas (Gilberto de Queiroz) - levada caribenha com toques de hard-bop e fusion, com longo improviso de piano e shout chorus com improviso de bateria, fecha o disco em alta.

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