12 junho 2009

Solo de jazz e antiinspiração


"Improviso a três", Dennis Esteves

Frederico Barbosa é poeta, diretor da Casa das Rosas - espaço público do estado de São Paulo destinado a manifestações poéticas, cursos, apresentações, etc. - e esteve dando um workshop de expressão poética na cidade de Dois Córregos (288km de São Paulo) em fevereiro desse ano. Tive a felicidade de estar lá para conferir o que ele falou sobre esse negócio de fazer poesia (aliás, muitas das pretensas poesias que vocês já leram aqui no blog surgiram após assistir essa palestra).

Para ele, a figura mítica do poeta inspirado, sofredor, tomado por arroubos de criatividade, tremores e choros ao fazer versos é uma invencionice. O que importa mesmo é o trabalho com a palavra. Encontrar a medida certa, a correta proporção entre forma e conteúdo, entre o que se quer dizer e o como escrever. E isso não acontece em cinco minutos.

Não basta descrever sentimentos ou idéias vagas. Nada de clichês. E, por favor, sem a preocupação parnasiana de usar palavras fósseis como "outrora", "alvíssaras", ou expressões arcaicas como "vossas" ou "minh'alma". O importante é suar a camisa para encontrar metáforas sugestivas, novas palavras, inverter frases, com o objetivo de deslocar o leitor e fazê-lo viajar por suas próprias vias sentimentais. O autor deve dar a cada palavra seu devido lugar, assim como damos a cada sentimento seu devido gesto ou expressão. Fazer poesia, enfim, é fazer frases precisas, cortantes, agudas, de forma que digam verdades tão veementes que pareçam delírios, ilusões, sonhos. Fazer poesia é fazer dançar as frases na valsa de suas próprias palavras. Fazer poesia é desnudar a gramática para fazer aparecer a beleza.

A arte do jazz traz a marca do improviso, que é basicamente criação. Novos sons, novas frases, novas melodias, novos ritmos, novas harmonias, tudo ao mesmo tempo. Porém, todos sabem que um músico tem que estudar milhares de horas de escalas, arpejos de acordes, estruturas harmônicas, e ainda por cima dominar alguns clichês que pertencem às variadas linguagens musicais (a escala pentatônica do blues, os padrões rítmicos sincopados do samba e da bossa-nova, os infinitos grooves de baixo e bateria da música pop).

O desafio do músico de jazz, é portanto, semelhante ao da poesia: tentar livrar-se de todas as convenções, preconceitos e chavões que toda a vida carregaram consigo. O músico deve procurar expressar nesse momento único - que é a hora do solo - sua verdade, sua forma de ver o mundo, seu jeito de interpretar a música e brincar com ela. Desaprender a música, de tanto que aprendeu. Assim como a poesia procura desvencilhar-se de palavras e expressões pomposas e mostra a sensibilidade pura e simples de lidar com as palavras, o jazz verdadeiro busca a expressão musical mais íntima de seus intérpretes, mas que seja tão transparente, lógica e simples, que soe simplesmente como aquilo que deve ser: poesia.

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