06 junho 2009

A arte e o trabalho tangencial



Trabalhar com arte significa manter o mínimo de disciplina para exercitar a técnica que leva a boa execução da obra criada. É aprender a gerenciar o tempo, dividido entre a dedicação à criação de um trabalho artístico próprio e à "produção" dos novos trabalhos que aparecem com outros artistas, gigs eventuais, projetos paralelos - que exigem um número absurdo de ensaios, reuniões, passagens de som, agendamento de horários... e lá se vão domingos e feriados. Estar envolvido em diversos trabalhos é importante para se manter no mercado, mas prescinde de um planejamento e jogo de cintura muito grandes.

Por isso, em intervalos de tempo entre um ensaio e uma gravação, entre uma apresentação e uma passagem de som, o ideal é que o artista encontre tempo para reflexões, leituras, exercícios e aulas para enriquecer sua técnica ou elaborar seus projetos artísticos autorais. Mas não é isso que acontece. Ao se deparar com atividades que se relacionam diretamente com o seu crescimento artístico, muitos tremem na base e acabam deixando pra depois. Nessa hora, aparece uma preguiça enorme e logo os seriados de televisão, a internet, o Nintendo GameCube e as sonecas vespertinas se tornam opções que podem parecer mais interessantes...

Ao invés do ócio criativo, o que verdadeiramente se passa é uma certa "vagabundagem depreciativa", que resulta em mais cansaço e uma tremenda culpa por não ter feito nada a favor de si. Era exatamente sobre isso que eu conversava com minha amiga e cantora Mariana Amaral há uns tempos atrás. Ela reclamava da enooooorme preguiça que tinha de organizar seu repertório - e eu obviamente concordava por sofrer da mesma doença - e dei uma dica a ela que costumava usar comigo mesmo. Batizei de "trabalho tangencial".

Trabalho tangencial é basicamente escolher realizar uma atividade que seja produtiva que possa substituir aquela que está te dando preguiça. Assim, você acaba não alcançando o alvo principal, mas sai pela "tangente" e fica um pouquinho mais próximo de realmente fazer o que é necessário. Se tem que transcrever umas músicas e está com preguiça, organize os arquivos antigos que estão há tempos esperando por uma melhor ordem. Se tem que escrever um arranjo e está sem forças, escute alguns discos para se inspirar.

A má notícia é que, no geral, o trabalho tangencial não traz resultados práticos tão valiosos. Pois se você tem prazos a cumprir, os perderá. Afinal, não terá realizado o trabalho principal, só rodeado o suficiente para não sentir culpa por não ter se mexido. A boa notícia é que, no mundo da arte, todo mundo sofre dessa preguiça. Mas não são todos que tentam superá-la.

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