12 dezembro 2011

Cadências improvisadas


Impressionante como a improvisação jazzística empresta vida nova às cadências de Mozart, compositor sensível, alegre, luminoso, que foi um virtuose do teclado e escreveu belíssimos improvisos para seus concertos - as famosas cadenzas, interpretadas geralmente com rigor pelos instrumentistas mundo afora. Mas a pergunta que faço, e que muitos já fizeram também, é: será que Mozart, que tinha fama de grande improvisador, tocaria suas cadenzas nos concertos ou as improvisaria, criando-as durante a execução da peça?

O vídeo acima mostra uma apresentação ao vivo no Japão, onde Corea divide o palco com Makoto Ozone e orquestra. A interpretação não é tão certinha - parece que os dois não puderam ensaiar muito as dinâmicas e os fraseados -, mas os improvisos são arrebatadores. Ozone é um pianista quase perfeito, de som extremamente organizado, sensível, com toucher primoroso. Mesmo tocando de improviso, demonstra técnica ímpar, limpidez, e é avesso a qualquer digressão ou floreio desnecessário. Ou seja, vai direto ao ponto. Chick Corea lança mão de sua harmonia extremamente dissonante, sempre com toques de flamenco, meio monkiano, meio evansiano, meio "budpowelliano", criando uma atmosfera única para suas frases cortantes. Mozart aplaudiria.

Chick Corea já vem há alguns anos encarando o desafio de solar esses trechos, criando cadências totalmente improvisadas nas músicas de Mozart. Ainda que mantendo uma linguagem harmônica e melódica mais ajustada para a sonoridade da orquestra, seus improvisos nesses concertos parecem dar um novo fôlego para as obras, encantando o público e eletrizando os próprios músicos.

Um exemplo é o belo disco "The Mozart Sessions" (Sony Classical, 1996), gravado na Áustria sob regência do cantor Bobby McFerrin, que também improvisa com a voz alguns prelúdios antes dos Concertos K. 488 (n. 23 em Lá Maior) e K. 466 (n. 20 em Ré Menor). Ainda tem um número onde apenas os dois fazem uma rápida improvisação sobre a Sonata n. 2 em Fá Maior, K. 280, rebatizada com o título "Song For Amadeus". Um disco que ajuda a entender a visão libertária e ilimitada de Corea sobre o jazz e a música em geral.


"The Mozart Sessions" (Sony Classical, 1996)

Piano – Chick Corea
Conductor, Vocals – Bobby McFerrin
Orchestra – Saint Paul Chamber Orchestra, The

*Concerto For Piano And Orchestra No. 23 In A Major, K. 488     
1. Prelude (A Capella Vocal & Piano Improvisation) + Allegro (14:09); 2. Adagio (7:11); 3. Allegro Assai (8:16);  
*Concerto For Piano And Orchestra No. 20 In D Minor, K. 466
4.Prelude (A Capella Vocal & Piano Improvisation) + Allegro (16:15); 5.Romance (8:59); 6. Rondo (8:46); 7. "Song For Amadeus" - Improvisation On Mozart's Sonata No. 2 In F Major, K.280/189e: II. Adagio (2:29).



2 comentários:

  1. Feliz e surpresa com a sua volta! Vou ouvir cada programa atrasado e não pare de blogar!

    ResponderExcluir
  2. Bom saber que tenho companhia na net... valeu Flávia, estamos aí, cambaleantes mas vivos, obrigado.

    ResponderExcluir

Agradeço a sua participação. Comente livremente. Comentários mal-educados e sem fundamento serão excluídos.