17 abril 2011

O lugar da arte (2)











Aniversário de um ano do evento "Jazz na Coisa"


 O Espaço A Coisa foi criado para ser um catalisador da vida cultural de Ribeirão Preto. Grupos de teatro, artistas plásticos e músicos que não têm tido chance de se apresentar em locais públicos apresentam-se na Coisa. A Coisa é uma alternativa para a existência artística de grupos com idéias inovadoras, com pouca visibilidade no mercado cultural.

O jazz é uma delas, e vêm tendo êxito as apresentações quinzenais com o nome "Jazz na Coisa", capitaneadas pelo Pó de Café Quarteto (Marcelo Toledo no sax, Bruno Barbosa no baixo, Leandro Cunha no piano e Duda Lazarini na bateria) juntamente com o DJ Kcond. Os shows têm lotação total e um clima alucinante de "inferninho" do jazz, com muita vibração em torno da música. Já tive a oportunidade de me apresentar lá, o vídeo abaixo mostra.



O Espaço A Coisa foi fechado e lacrado por uma fiscalização do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar após denúncias - não verificadas no local - de que haveria menores frequentando os eventos. Pediram identidade até para os músicos que estavam tocando. Não encontrando nada, os bombeiros então fecharam o local por não estar em exibição na parede algum alvará de funcionamento. O documento existe, mas estava no escritório do contador, e não poderia ser encontrado às 23 horas. O local foi reaberto logo depois, pois houve muita gritaria pelo Facebook, e até a prefeita da cidade tomou conhecimento da situação e declarou seu "apoio" ao funcionamento do local.

O fato tem várias interpretações - e fornece também várias lições -, mas a que eu prefiro é a de que a cultura sem governos, realizada pura e simplesmente por iniciativa livre e sustentada apenas pelas leis de mercado - a cultura preconizada pelos liberais de plantão -, é pura ideologia. Simplesmente porque cultura que se faz sem governos é território perigoso, insubmisso a controles, portanto nociva à própria noção de Estado (liberal ou não, pois Estado existe para justificar uma estrutura de poder e desigualdade). O Estado, mesmo que mínimo, quer estar presente nos espaços em que se faz cultura, ainda que apenas como ordenador jurídico ou regulador.

Assim, para o Estado, o problema do Espaço A Coisa não foram os motivos até legalmente pertinentes, como falta de estrutura anti-incêndio adequada, saída de emergência inexistente, entre outros. O problema era a falta de chancela de algum órgão de governo sobre aquele espaço, sobre a arte que se faz ali. E isso tem a ver com o post anterior.

Ninguém do Espaço A Coisa foi pedir ajuda ou beijar a mão de nenhum burocrata responsável pela cultura. Nenhum órgão de Estado havia permitido a existência da Coisa. Não houve inauguração oficial com corte da fita pelo governador ou pelo secretário da Cultura. Não tinha placa nenhuma na frente constando que aquilo era mais uma obra do "Brasil Para Todos". Não houve licitação fraudulenta pra contratação de serviços, estrutura ou equipamento superfaturado. Por isso a Coisa foi fechada.

A questão então, é outra: por que foi reaberta?

Em tese, o artista não precisa de governos para existir. A arte existe e os artistas estão sempre cheios de idéias. O que falta é espaços em boas condições de uso disponíveis para que os artistas possam realizar suas obras. Teatros, auditórios, anfiteatros ou salas em que o artista possa desenvolver seus trabalhos. Criar e manter espaços culturais para a arte, disponíveis para artistas locais, é coisa que não dá retorno financeiro muito menos rende votos. Por isso, o "apoio" demagógico dado ao espaço após o ocorrido mostra muito mais uma disposição para não criar inimigos do que efetivamente apoiar o local com ações concretas, como ajudar em uma reforma para adequar o local de acordo com as normas vigentes, por exemplo.

O que estava em jogo no ato do fechamento não era a segurança dos frequentadores, o controle dos níveis de barulho ou a suposta degeneração moral dos supostos menores presentes. O que estava em jogo era a ameaça do sistema de controle da cultura, de um estrutura oficial de poder de decidir quem pode e quem não pode fazer arte. A Coisa mostrou que a arte pode ir além dos assistencialismos culturais dos governos, que tendem a compreender a arte apenas como um instrumento de controle social (oficinas de hip hop e capoeira nas periferias, oficinas de artesanato para idosos), uma ótima moeda de troca para votos. E só foi reaberta para tentar afirmar o contrário.

5 comentários:

  1. Obrigado Naura, continue acompanhando, sintonize também o programa de Rádio ETC & Jazz na Rádio UFSCar ou baixe aqui no blog. Abraço.

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  2. Murilo, adorei o post, concordo em gênero, número e grau com o q disse!
    E mais, estive presente na primeira edição do Jazz na Coisa, que ferveu... e tocou quem estava presente! O 'inferninho do jazz' chegou pra ficar!
    E q assim seja.

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  3. Com certeza, Renata, o "inferninho" já se consagrou na cena cultural. E espero que continue assim. Obrigado pela visita.

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  4. Olá Murilo,
    Gostaria de convidar você e seus leitores para as comemorações do 2º aniversário do Jazz + Bossa + Baratos Outros (www.ericocordeiro.blogspot.com).
    Abração!

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