02 julho 2010

Universos paralelos: jazz e Copa do Mundo















Estamos presenciando um dos campeonatos mundiais de futebol mais disputados dos últimos anos, com vários times que desequilibram a tradicional guerra entre seleções européias – que criaram e amadureceram o esporte e suas táticas – e os times sul-americanos – que deram ao mundo craques com extrema audácia e destreza no trato com a bola. A Copa do Mundo traz atuações surpreendentes de equipes que, há alguns anos, nem acreditaríamos ver em uma competição tão dura e difícil: Japão, Gana, Estados Unidos, África do Sul, entre outras, deram trabalho aos adversários mais tradicionais.

O futebol é um esporte global. Suas regras descomplicadas e objetivos simples permitem sua prática com poucos recursos técnicos, favorecendo o entrosamento dos participantes e proporcionando o florescimento de talentos individuais como uma vantagem competitiva. Sem desmerecer o treinamento profissional, que é tão duro como em qualquer esporte, é fácil aprender a jogar, e a brilhar jogando futebol. Seja um exímio armador de jogadas, um forte defensor ou talentoso atacante, o que conta é o contexto em que o jogo se desenrola. Se o time ganha com jogo feio, o trabalho de equipe é valorizado; se o time perde com jogo bonito, quem brilha são os que mostram talento com a bola, e a torcida aplaude a coragem e o “futebol-arte”.

Assim como o futebol não é mais o “esporte bretão” ou especialidade tupiniquim, o jazz também não é mais um gênero musical hegemônico norte-americano. Tornou-se uma linguagem musical praticada em todos os continentes, que influencia praticamente todas as culturas musicais de massa no planeta. Por motivos análogos aos do futebol.

A “equipe” do jazz também precisa de entrosamento, mas há espaço de sobra para os talentos individuais. Solistas brilham com facilidade, enquanto a cozinha acompanha, reagindo a cada nota, a cada frase, a cada gesto musical. As regras são simples: basta concentrar-se sobre o tema, rodeando-o, abstraindo-o, enfeitando-o, mas sempre caminhando para a mesma direção, em direção à meta, no caminho do solo perfeito, no rumo da expressão bem acabada. Ouvir o outro, antecipar “jogadas”, conhecer o repertório de frases e solos que os grandes mestres do passado já criaram.

Atribui-se o status de “arte” aos gols magistrais de Pelé - “uma pintura”, dizem – e aos dribles astutos de Garrincha ou Robinho. Parece ser algo naturalmente universal. Será inteligência, ação puramente reflexa, ou total consciência do momento preciso? Poesia? Não dá pra definir exatamente como o jogador age ao se aproximar do gol e dar um chute preciso. Ou então como supera a marcação de três zagueiros com um único movimento de corpo, um toque na bola, um olhar enganador. No jazz, o músico simplesmente cria a música ao mesmo tempo em que a toca, compõe enquanto improvisa, arrisca-se a cada compasso. Conduz o jogo para novos caminhos, como se desejasse fazer gols cada vez mais bonitos e difíceis.

Novos pólos de disseminação do jazz, fora dos EUA, surgem com força de “seleções” de primeira linha: Portugal, com experiências na música improvisada e o jazz de vanguarda; Espanha, com fusões com o flamenco; Polônia, com o renascimento da tradição bebop; Brasil, com a moderna música instrumental brasileira e a música “universal” de Hermeto Paschoal e seus seguidores; Noruega e Suécia, com grupos de jazz-rock; países do norte da África, com novas vertentes do “afrobeat”; Índia, com músicos cada vez mais ocidentalizados e dispostos a criar pontes entre a tradicional cultura do país com o jazz de vanguarda.

A surpresa causada por esses novos sons do jazz global é tão gratificante para os ouvidos quanto o futebol-arte praticado pelas novas potências esportivas é aos olhos. Sinal de que o prazer de encontrar o espírito humano a se reproduzir e se superar nas diversas formas de arte – seja na música, seja no futebol – é cada vez mais comum às diversas culturas humanas.

*publicado na coluna ETC&Jazz do caderno de cultura Moitará, no jornal A Folha de São Carlos, no dia 1/7 

Um comentário:

  1. gracias por darme a conocer su blog y su comentario en http://vadejazz.blogspot.com/ también será añadido en mi blogroll.

    Saludos

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