28 setembro 2009

Quanto custa o silêncio?



Há algumas décadas atrás, ao viajar de ônibus e avião, você era obrigatoriamente fumante passivo, pois a prática era permitida naqueles ambientes. Hoje, você não traga mais a fumaça dos outros nas viagens, mas pode se tornar um “ouvinte passivo”.

Os mp3 players e celulares com música são praticamente itens obrigatórios de viagem de boa parte dos viajantes. Contando agora, no ônibus a caminho pra São Paulo, tem 28 passageiros, e uns 9 estão usando fones de ouvido – cerca de um terço.

No banco do outro lado do corredor alguém escuta uma canção pop. Em um outro banco mais atrás, é uma música sertaneja. Eu não devia saber o que eles estão ouvindo, mas provavelmente eles têm fones de ouvidos ruins e não sabem onde está o botão de volume dos aparelhos, pois estão fortíssimos.

O chiado produzido produz uma espécie de “música incidental” na minha cena de passageiro em trânsito. Em geral isso teria me deixado um pouco irritado, pois seria obrigado a tentar ignorar o sonzinho pra tentar descansar um pouco nas quatro horas de trecho que me restam. Mas hoje tenho o notebook e também apelo para um fone de ouvido para ouvir um blues e escrever esse texto.

Mas se não tivesse o fone, o que poderia fazer? Será que algo ou alguém poderia me proteger do som do outro - som que esse outro não percebe que está extrapolando o seu espaço auricular e invadindo o meu?

Infelizmente o silêncio é um item de luxo. Mais luxuoso que qualquer caneta MontBlanc, ipod de ouro, carro Bentley, charutos Monte Cristo ou outra superfluidade dessas pelas quais se pagam pequenas fortunas por aí. Silêncio, meu amigo, é pra quem sabe apreciá-lo, e isso é raro. Mais raro que diamantes cor-de-rosa, que trufas negras, que caviar Beluga, que... enfim, o silêncio quase não existe mais, e é caro porque é um território que não está disponível para a “grilagem” da indústria do entretenimento, que invade os terrenos particulares dos indivíduos e oferece um baixo preço pelo tempo de uso da “terra”, ou seja, pelos pobres ouvidos de cada um.

Façam a conta de quanto custa à indústria do entretenimento o “aluguel” dos seus ouvidos pelo tempo de uma canção. Teoricamente, pra realizar essa operação de dominação ela necessita:

- de um canal: um celular, um mp3 player, um pen-drive, ou mídias como TV, rádio, internet.

- de conteúdo: ela deve oferecer uma extensa e variada (nem tanto) programação musical, e isso inclui descobrir, treinar (nem tanto), produzir, gravar e distribuir o artista (alguns não chegam a esse patamar, ficam mesmo na categoria entertainers);

- de suporte: ela deve ainda investir em pesquisas para tornar as tecnologias sonoras mais eficazes na “sedução” sonora – suportes mais atrativos, como CD, DVD,Blu-ray, mp3, mp4 surgem a todo momento para atender a essa necessidade.

Somando tudo isso, quando custaria? Não sei, mas um dado que dá uma pista é que, mesmo com a queda no faturamento das indústrias fonográficas (que fabricam discos), elas ganharam US$ 18,4 bi em 2008. No comércio de música digital, ganharam US$ 3,78 bi. Somando tudo, faturaram cerca de 22 bilhões de dólares. Imaginando que tiveram lucro, significa que toda essa parafernália promocional custa menos de 20 bilhões de dólares.

Divida isso por por 1 bilhão, que é o número de pessoas no mundo que efetivamente tem poder econômico para “bancar” esse lazer musical e que consiste em “público-alvo” dessa indústria. Dá mais ou menos uns 20 dólares por pessoa - valor gasto pela indústria para fazer com que cada indivíduo mantenha viva essa máquina de fabricar sons.

Vinte dólares pra fazer a moça do meu lado ouvir uma gororoba musical a um volume estressantemente alto em seu celular cor-de-rosa. É muito barato. E olha que essa pessoa fez umas outras cinco em torno dela forçosamente ouvir junto o mesmo som – um tipo de alcance “inadvertido” que a mídia possui, e que é previsto pelos projetistas da indústria, pois garante maior rendimento à canção, expondo o maior número possível de ouvintes ao produto. Portanto, os vinte dólares caíram pra cerca de quatro.

Não sei se meus cálculos estão certos. Talvez os economistas do Freakonomics saibam elaborar melhor do que eu esses custos, mas uma coisa é certa: é assustador o quanto é barato invadir os ouvidos das pessoas. Meus ouvidos não estão a venda, mas não sei quanto tempo vão resistir à fortíssima "especulação imobiliária" da música digital. Será que terei que transformar meus ouvidos em um "condomínio fechado" pra não virar latifúndio do mau-gosto? O meu silêncio será a última pepita de ouro da Serra Pelada dos ávidos por barulho?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço a sua participação. Comente livremente. Comentários mal-educados e sem fundamento serão excluídos.