21 março 2009

Acordes de palavras















[Jazz ritornello

o som descascava
no centro, um ponto só
dentro de quem ouvia
uma rara sinfonia

no claro rarefeito
notas de efeito raro
de escura e fugaz harmonia
torcidas pelo eco surdo das paredes

sentidas na carne e nas têmporas
como um frenesi vulcânico
no espantoso silêncio dos olhares
na maré baixa dos copos vazios

eram quantas horas da manhã
de uma alegria amarga
de uma coda de aplausos sorridentes depois da aventura vivida
pelo saxofone feroz]

Duas jam sessions em Londrina na semana passada - uma no Estação Café Brasil, outra na casinha do Valentino - ajudaram a matar a saudade de alguns amigos e a curtir o doce sabor de aventura de apenas sentar no teclado e tocar por duas horas sem respirar, apenas jogando com os sons dos instrumentos. O que me levou a pensar que, talvez, um blog sobre jazz deveria ser escrito apenas em jam sessions. Durante.
Seria uma tentativa de "jazzificar" a escrita. Música imprevisível, texto idem. Cada palavra comentando cada acorde, cada sentença parafraseando uma frase de improviso, o ritmo do texto se alternando com o pulso da banda. Temas expostos e reexpostos, como argumentos de um roteiro, sendo construídos de forma livre porém coesa. De repente, pontes entre solos - intromissões do compositor na espontaneidade do tocar, como um texto entre travessões -, pausas freqüentes, feito vírgulas ou dois pontos; fortíssimos (!!!) e pianíssimos (...) pontuados com exagerada denotação ortográfica. Será?
A impossibilidade se verifica já no pensar, antes mesmo do simples ato de tentar escrever: a velocidade da comunicação entre os músicos seria muito maior do que a minha tacanha capacidade de compreensão das novas idéias sendo postas em prática a cada compasso. Os sons se espalhando pela sala de acústica perfeita, enchendo as três dimensões (há quem diga que o som é a quarta dimensão) com ondas provocantes, excitando os ouvidos, sendo reelaboradas nos labirintos do cérebro, ganhando formas e cores infinitas, enquanto as letras no papel seguem uma chata fila que termina na quebra de página, primeiro enfileirando-se, depois empilhando-se, num preto e branco terrivelmente frio e sem graça.
Mas o exercício de emular os mecanismos de produção de sentido do jazz em outro meio de expressão, como num texto, já foi realizado. Bem o fizeram os beatniks. Hunter Thompson e seus textos jornalísticos errantes, quase aleatórios, lembram bem os picos de euforia e silêncios introspectivos que transcorrem numa jam - ou numa viagem lisérgica. "Round About Midnight", filme-ícone do jazz do diretor Bertrand Tavernier, também contou com o improviso dos atores-músicos em várias cenas.
Criar um texto jazzístico, com técnicas jazzísticas? Quem sabe. Podemos tentar nos próximos posts. Ou nas próximas jam sessions.

Um comentário:

  1. Fala, Mura, gostei do blog: radicalmente jazz. Aproveite e dê uns toques de onde vai tocar pra galera poder prestigiar a sua pessoa.

    abração,

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