12 outubro 2010

80 anos de corpo e alma do jazz

Transcrição do famoso solo de Coleman Hawkins de 1939
(partitura completa aqui)

O saxofonista negro, alto e de grandes bolsas debaixo dos olhos estava satisfeito, mas cansado. Voltava à sua terra natal, os EUA, após cinco anos em turnês na Europa, tocando jazz. Há 71 anos, exatamente no dia 11 de outubro de 1939, esse saxofonista negro sairia de um inferninho em Nova York, onde tinha tocado a noite toda, e entraria logo pela manhã em um estúdio para gravar uma das obras-primas da música moderna. Coleman Hawkins tornaria "Body and Soul" um dos maiores hits do jazz - um dos discos mais vendidos - e também num marco da estética do gênero.

Acostumado a fazer solos em orquestras, Hawkins havia tocado com as bandas de Fletcher Henderson, Django Reinhart e Benny Carter, nas quais tinha alguns choruses sempre reservados para ele. Porém, diferente de seu mestre Louis Armstrong, com o qual tinha convivido por alguns anos no orquestra de Henderson e do qual herdou o talento de reinventar fraseados, Hawkins deu um passo além na gravação de "Body and Soul" e simplesmente ignorou a melodia da música. Tomou um gole de conhaque, pediu que o pianista fizesse uma pequena introdução e, sem arranjo e nem mesmo partitura, entrou direto no solo, criando frases e coloridos que gravitavam em torno da canção original e sua harmonia.



"Body and Soul" completa 80 anos em 2010. Foi escrita em 1930 por Edward Heyman, Robert Sour, Frank Eyton e Johnny Green para um musical da Broadway. Nos anos 1980, críticos de jazz diziam que a música já deveria ter sido gravada por cerca de 3 mil artistas diferentes somente nos EUA. A gravação de Hawkins, portanto, não pegou o público de surpresa. Ao ouvir os primeiros compassos, reconhece-se a melodia, mas logo ela é transfigurada em uma outra qualidade de música, como que recarregada de novas forças expressivas. Hawkins brinca com as progressões harmônicas, passeando pelos acordes arpejados e frases bem encadeadas. Seu solo era a música. A música era ele. Foi um sucesso, com estrondosas 100 mil cópias vendidas nos primeiros seis meses após o lançamento.

O que o disco sinalizava era que o improviso de jazz deixava de ser apenas uma brincadeira, um jogo, um divertimento em torno da canção - e também um recurso para "encher lingüiças" com improvisos no meio de canções instrumentais de três minutos e quarenta segundos, tempo que a gravação em disco permitia para cada "lado" da bolachinha. O solista de jazz passava a ser ele mesmo o protagonista: o solo é a música. O solo de jazz passaria a ser motivo de ser do jazz, e não apenas um floreio entre a exposição do tema e o refrão. Estava definido que, de agora em diante, um artista de jazz passaria a ser aquele que "recriava" canções dentro de uma determinada linguagem - que vinha se desenvolvendo há uns 40 anos nos EUA e também na Europa -, e que o jazz podia começar a partir de qualquer canção. Bastava um gole de conhaque, um pouco de sensibilidade e algum espírito de aventura.

2 comentários:

  1. oi murilo,

    boa lembrança...há pouco tempo atrás, no jazzseen, mestre apóstolo uma tabela estatísticas dos temas mais executados...body and soul é o primeiro da lista...

    mas, a primeira gravina não foi essa de mr.hawkins...inclusive, tenho as três, enviadas por uma amiga virtual que curte jazz pacas...é isso aí

    agora consigo acessar o blog...sempre dava erro de página...por quê será?...mistérios da informática...rs

    abraçsons

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  2. Oi pituco,

    mencionei a gravação de Hawkins como um marco da estética do jazz, em relação a sua abordagem da música... já havia outras gravações, mas a dele, em que ele mal expõe o tema, mostrava uma nova atitude em relação a música.
    Obrigado pela visita, é um dos comentadores mais ativos (senão o único, hehehehe...). Um abraço.

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