24 junho 2010

O jazz saiu pra passear com Herbie Hancock e...

Neste mês de junho de 2010 saiu o novo disco do pianista de jazz mais importante ainda vivo. Herbie Hancock (Chicago, 1940) é o elo perdido - ou achado - entre o jazz tradicional, a música contemporânea e o universo pop. Se há algum músico no mundo hoje capaz de dizer que toca funk, música eletrônica, música erudita, world music, música improvisada e jazz, é ele.

Hancock fez de sua música um reflexo de sua vida: livre, sem preconceitos, aberta, mas sempre objetiva, plena de caráter e personalidade. Quando criança, aos onze anos foi solista da Sinfônica de Chicago tocando Mozart por puro divertimento. Na adolescência, aprendeu a linguagem do jazz sem professores, apenas ouvindo discos de Bill Evans, George Shearing e os arranjos de Clare Fischer para grupos vocais. Ou seja, absorveu o melhor da música sem se importar com a fonte.

Neste último trabalho, "The Imagine Project", Hancock convidou vários artistas dos cinco continentes para, em cada faixa, criar uma concepção, um arranjo, uma abordagem para as canções - algumas icônicas da "mensagem global de paz" que o disco quer passar, como "Imagine" (Jonh Lennon) e "The Times, They Are A'Changin" (Bob Dylan). Improvisos sobre ragas indianas, tablas e cítaras; percussão malinesa, ritmos afrocaribenhos, vozes do oriente, guitarras distorcidas. Canção pop com harmonia outside. Improvisos sobre acordes básicos de rock. O resultado é interessantíssimo, até porque soa estranho pra quem gosta de jazz e estranho também para quem curte música pop. Um "estranho bom".


Não sei se são os solos tortos de Hancock em cima da harmonia certinha das composições, ou se é o clima cool com ritmos mais complexos e abstratos emoldurando as vozes mais comerciais, mas tudo nos faz ouvir o disco com um pouco mais de cuidado do que os críticos - a patrulha do jazz -, que se "horrorizaram" com o trabalho anterior de Hancock que seguia essa mesma linha ("Possibilities", de 2005, que trazia duetos com os mais variados artistas). Até porque as possibilidades abertas por este novo projeto são mais ousadas que a do anterior.

Apesar das misturas, a personalidade de Herbie Hancock prevalece, dando unidade ao trabalho. Personalidade que ele mostra desde que despontou na cena do jazz, no começo dos anos 60, quando tocava em clubes de bebop e destacava-se no grupo de Donald Byrd. Logo o legendário trumpetista Miles Davis convidou-o para integrar seu grupo - o maravilhoso quinteto que contava ainda com Wayne Shorter (tenor), Ron Carter (baixo) e Tony Willians (bateria).

Com Miles, o grupo perseguia um tipo novo de improvisação, sem se importar com as mudanças de acordes dos temas, e sim com o fluxo rítmico e melodias subliminares. Foi também com Miles que Hancock entrou em contato com o piano elétrico Fender Rhodes. Começava sua navegação pelo jazz experimental, funk elétrico e África. Ao sair do grupo de Miles, começou a explorar mais os sons eletrônicos de sintetizadores, produzindo discos com improvisação livre e técnicas eletroacústicas de composição.

No início dos anos 70, passou a procurar uma sonoridade mais simples, em que conseguiu sintetizar toda a sua experiência de improvisação, conhecimento dos ritmos e da cultura negra em um disco pop conceitual: "Head Hunters", lançado em 73, que causou um verdadeiro abalo nas estruturas do que até então se chamava jazz. Se a fusion de Miles Davis havia desafiado as hostes mais conservadoras do jazz, "envenenando-a" com sonoridades elétricas, ela agora parecia "bagunça" perto dessa versão mais "funkeada" criada por Hancock, que atingiu em cheio a cultura pop norte-americana.

Hancock criou ainda nos anos 70 seu grupo V.S.O.P., em que explorava a linguagem jazzística post-bop com verve e criatividade impressionantes. Portanto, passeava tranquilamente pelas veredas mais obscuras e vanguardistas do jazz, enquanto também chacoalhava o gênero com suas incursões pelo funk e música pop. Não foi à toa que, nos anos 80, após o lançamento de "Future Shock" (1983), Hancock tenha se tornado o primeiro artista de jazz a ter um videoclipe premiado na MTV (quem lembra desse hit, "Rockit", em que os robôs é que são os personagens?).

Seguiu ganhando Grammys, produzindo trilhas sonoras (inclusive aquela do inesquecível "Por volta da meia-noite", em que tudo é tocado ao vivo), jingles (a pérola "Mayden Voyage" foi criada para um comercial de perfume, acreditem se quiser) e gravando de tudo. Discos experimentais, duetos de piano, saxofone, guitarra, música eletrônica, música pop... até chegar a discos como este "The Imagine Project", que simplesmente passeiam por todos os territórios da música e, no caminho, derrubam algumas cercas.


Herbie Hancock - The Imagine Project (2010)


1. Imagine (apresentando India.Arie, Jeff Beck, Pink e Seal); 2. Don´t Give Up (com Pink e John Legend); 3. Tempo de Amor (com Céu); 4. Space Captain (com Susan Tedeschi e Derek Trucks); 5. The Times, They Are A'Changin' (com The Chieftans e Lisa Hannigan); 6. La Tierra (com Juanes); 7. Tamitant Tilay/Exodus (com K'Naan, Los Lobos e Tinariwen); 8. Tomorrow Never Knows (com Dave Matthews Band); 9. A Change is Gonna Come (com James Morrison); 10. The Songs Goes On (com Chaka Kahn, Anoushka Shankar e Wayne Shorter).

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