22 março 2010

A crítica
















Adorno

 É muito difícil fazer críticas. A disposição para criticar não deve ser confundida com vontade de destruir. A crítica deveria estender a possibilidade de pensamento sobre o objeto criticado, e não aniquilá-lo. O assunto veio à tona após ler uma coluna do Zé Geraldo Couto na Folha sobre "como destruir um filme" - obviamente tratando da crítica de cinema.

No campo musical, isso me lembra a postura ranzinza do filósofo alemão Theodor Adorno quanto ao jazz americano dos anos 40, considerado por ele um lixo comercial que intoxicava o gosto musical dos ouvintes, infantilizando-os e, por fim, alienando-os da situação de exploração capitalista em que se encontravam. Sua crítica era contra o sistema, mas ele conseguiu encontrar na música argumentos para sustentar as teses sobre a dominação imposta pela Indústria Cultural, mostrados principalmente no texto "Filosofia da Nova Música".

O resultado, para ele, é que tanto músicos como público estavam irremediavelmente isolados um do outro: os compositores, devido à adesão extrema aos métodos vanguardistas seriais e atonais de composição; o público, devido à destruição da esctua pela massificação da música comercial por discos, rádios, filmes e televisões, levando à incompreensão de novas estruturas musicais que pudessem romper o ciclo de dominação cultural. Adorno não queria levar em conta que o ser humano ouve música com o corpo e com a emoção além do cérebro. Adorno não queria se permitir conceder ao jazz comercial dos anos 40 o status de "boa diversão", e espinafrava o clarinete melodioso e suingante de Benny Goodman (um dos maiores gênios do instrumento que já pisou neste planeta).

Adorno preferia analisar o fenômeno como uma consequencia do avanço do sistema capitalista sobre a cultura - o que não está totalmente errado. O erro é voltar-se contra o artista, contra a música, contra a expressão - destruindo o objeto para comprovar a tese.

Ao comparar a escuta de um concerto num teatro com a escuta de um disco 78 rpm na sala de jantar, Adorno frisava que a "compreensão" e "fruição" da música como conhecíamos fora modificada. Ele não soube separar a facilidade tecnológica - que é consequencia do próprio espírito empreendedor humano - da complexificação das relações entre informação-cultura-capitalismo, que "colocou preço" na música e na forma como adquirimos contato com ela. Seu materialismo dialético não permite que ele reconheça o status democratizador dos novos suportes musicais. Ele não percebe que o poder de dominação não se exerce pela presença ou não desses objetos, mas sim pelo estímulo exacerbado do consumo dos mesmos.

A música de Benny Goodman, definitivamente, não é a culpada pela infantilização da escuta, e sim a sua superexploração comercial. Foi música da moda sim, mas isso jamais ofuscou a grandeza do toque genial de Goodman (e de vários outros artistas do gêneno à época). O estímulo ao modismo sim, é a grande chave da questão - e aí suas análises da "Indústria Cultural" vêm a calhar, quando descrevem a onipresença do entretenimento nos momentos de lazer dos trabalhadores.

"Onipresença", aliás, é o status de certas canções em todas as mídias - fenômeno comum e, hoje, mais forte do que nunca, devido à miríade de conexões entre suportes tecnológicos, meios de comunicação de massa e internet - que verdadeiramente promove o nivelamento "por baixo" das condições de fruição estética. Portanto, caberia muito mais a crítica ao consumo - e às várias formas espúrias de apreciação musical como os histéricos fã-clubes, os diletantes colecionadores de discos, revistas, fotos de artistas, o culto à fama - do que ao artista em si, pois "esconder-se" na composição de vanguarda ou participar do mercado da música comercial (com dignidade, obviamente) não são mais do que estratégias que o artista tem para expressar sua verdade. Batalhar contra o sistema não é criticar a música, e sim mudar a escuta.

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