18 fevereiro 2010

Charles Lloyd, o doce xamã do post-bop













As várias tardes quentes em Memphis ao som das gravações do elegante e melodioso Lester Young, a viagem musical para Los Angeles aos 18 anos durante o florescimento do jazz "west coast", os sons misteriosos da cítara indiana e as múltiplas camadas rítmicas das tablas que invadiam o cenário nos loucos anos 60; tudo isso converge para a formação da personalidade musical de um dos mais importantes saxofonistas do jazz: Charles Lloyd, 72, músico que fez fama nos anos 60, passou por uma fase de obscuridade nos anos 70 e voltou lentamente aos holofotes desde os anos 80.

O toque aveludado e intenso de Charles Lloyd, aliado à sua atitude totalmente hipnótica no palco, confere uma aura lírica à audaciosa música produzida por ele. Apesar de ser tão intenso quanto Coltrane, tão caótico como Ornette Coleman, tão denso quanto Steve Lacy, a abordagem de Lloyd é de extrema sensibilidade quanto à dinâmicas, fraseados e climas. Isso torna suas interpretações verdadeiras jóias, transformando cachoeiras de acordes, rufos de tambores e sforzandos em lagoas de contemplação, planícies de frescor e deleite para os ouvidos.

Seu sopro no sax tenor é sereno, redondo, soa como condensações quentes de ar musical em todas as diferentes ondas e freqüências que emanam do banda que o acompanha: seja apenas um delicado contrabaixo, seja um quarteto arrojado, seja uma orquestra de sopros, seu som é sempre bem desenhado e intenso. Destaca-se também sua abordagem "etérea" da flauta transversal, que transforma-se num instrumento exótico em suas mãos.

Lloyd tem ainda uma certa predileção por ritmos caribenhos e africanos, flertando ainda com o rock progressivo e o funk de estirpe setentista. Por isso, seus concertos - que vão das baladas mais sentimentais ao free jazz mais aberto e vibrante - sempre apresentam nuances mais alegres e envolventes do que um show "comum" de jazz post-bop. Mesmo assim, suas composições não deixam de ter certa complexidade e desafiam os músicos a tocarem com grande precisão e senso de expressividade coletiva. Peças como "Prometheus" e "Migration of spirit" soam como se fossem pequenas suítes feitas para grande orquestra, com movimentos distintos e momentos de tensão que exigem atenção da banda.

Nos anos 60, seu quarteto formado com Keith Jarrett (piano), Ron McClure (baixo) e Jack DeJohnette (bateria) alcançou alta popularidade devido às adaptações de canções de rock e pop da época para a linguagem do jazz. LLoyd vestia batas coloridas e empunhava maracas, dançando como se estivesse possuído por espíritos xamânicos; um Keith Jarrett jovem e franzino, com cabelo à la black power, se aventurava no sax soprano e no pandeiro, balbuciando alguns sons enquanto se contorcia em solos mais exaltados (uma de suas marcas registradas, até hoje); enquanto isso, DeJohnette imprimia alguns grooves mais funkeados ao seu toque geralmente mais solto e requintado, em total sintonia com o baixo às vezes errático de McClure.

Em 2008, Charles Lloyd montou um novo quarteto e gravou um disco chamado "Rabo de Nube" (ECM), onde toca composições novas e antigas. Não faltam exemplos de sua veia funkeira, como a suingadíssima "Booker´s Garden", que conta com um groove de baixo e bateria contagiante. Assim como também há improvisações livres extremamente interessantes, como na introdução do hit de Jarrett "Sweet Georgia Bright". O momento de suave latinidade e grande introspecção é a composição "Rabo de Nube", bolero do cubano Silvio Rodrigues, que fecha o disco. O CD é uma boa mostra de como a música de Lloyd é extemporânea e, ao contrário de muitas gravações mais vanguardistas, soa como novidade extremamente agradável.


Rabo de Nube (ECM, 2008)


Charles Lloyd (sax tenor, flauta, taragato)
Jason Moran (piano)
Reuben Rogers (baixo)
Eric Harland (bateria)

4 comentários:

  1. Onde está o link para baixar o disco? Não encontrei!

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  2. Desculpe Rafael, o link estava ao lado da capa do disco, não sei o que aconteceu, mas agora consertei. Também segue aí:
    http://rapidshare.com/files/275610127/2008_Charles_Lloyd_Quartet_-_Rabo_de_Nube.rar
    Obrigado pela visita.

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  3. thank you for rabo de nube. i heard Sangam at the recent melbourne jazz festival. Jason Moran & Reuben Rogers joined sangam for the last few numbers.

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