20 dezembro 2009

Zen e Nietzsche, notas para uma teoria da escuta


"Aos seus questionamentos
oferece-lhes apenas o silêncio.
O silêncio,
e um dedo apontando o caminho"
(verso anônimo)


Zen = eliminação de todas as barreiras entre a experiência e a mente, como uma consciência estendida, desdobrada, que vive, sente, modifica, É o mundo.

Não existe a experiência de "estar" no mundo - não há como "estar" em outro lugar. Não há como "ser em si", isso já é fato. Dar esses nomes à ideia de viver foi o que fizeram Heidegger, Sartre, Kant, entre outros metafísicos que se debruçaram sobre o problema da barreira entre o homem e a percepção do mundo. Ser, estar, aparecer, são conceitos que levam capítulos inteiros para serem definidos.

Ter consciência do mundo, ter consciência de que se tem consciência, poder tocar num objeto sabendo que aquele objeto - o outro - também nos toca, nos explora, nos usa. São questões filosóficas fascinantes, porém cansativas e, todas elas, baseadas no princípio helênico do homocentrismo.

Por isso gosto da filosofia nietzscheana: nada gira em torno do homem, o homem é que gira em torno das coisas, como um tonto, procurando uma brecha na superfície esférica e inviolável da realidade, sem saber que, na verdade, não há nada que procurar, nada que achar, nada para descobrir, senão traçar seu próprio destino, lutar por suas escolhas, peitar as adversidades, fazer valer a própria natureza desnaturada, animal, gregária, vicária e ilusória do homem.

O conceito de zen preenche essa lacuna metafísica do mesmo modo que Nietzsche rejeita toda a noção de dualidade ou fratura do real - como os pares dialéticos que Aristóteles usava para explicar a complementaridade de tudo, essência X aparência, peso X leveza, unidade X multiplicidade. Na concepção zen, todo o pensamento se coloca entre o homem e o mundo. A percepção se engana com as sutilezas do raciocínio, assim como para Nietszche o homem perde tempo demais criando teorias para acreditar em sua existência e justificar sua fé em dogmas religiosos e científicos.

Quando a mente entra em cena, nossa relação com o mundo se torna mais complexa do que deveria ser, deixando-se guiar por silogismos, moralismos, éticas, preconceitos e pré-julgamentos que interferem em nossa relação com tudo a nossa volta. Aqui, zen e Nietzsche se completam. Para o alemão, a mente - o próprio homem - é livre, solta, capaz de aceitar seus limites mas também de expandi-los, marcadamente com um élan que manifesta simplesmente o desejo de dominar (a famosa vontade de potência). Para a filosofia zen, uma mente assim deve ter o único intuito de se auto-dominar, auto-conhecer, auto-examinar-se, para que sua passagem pelo mundo seja plena de troca com a realidade. Desejo e consciência dominando-se mutuamente.

Consciência do mundo pelo toque das mãos, pelas vibrações sonoras, pela voragem de criar, pela sutileza do olhar, pelo orgasmo, pelos pelos dos braços, pelo livre pensar, pela conversa que vai fluindo noite adentro, pelo sonho noite afora, pela orgia dos sabores, pelo frescor dos temperos, pelo sangue nas têmporas, pelo frigir do ovos. Cabeça para o mundo, o mundo na cabeça, o corpo mergulhado em sensações, a alma leve. Só assim se está pronto para escutar o mundo.

Um comentário:

Agradeço a sua participação. Comente livremente. Comentários mal-educados e sem fundamento serão excluídos.