27 março 2009

O mundo pede socorro e meus ouvidos também


(www.juniao.com.br)

Na noite de hoje, dia 28 de março, às 20h30, a campanha "Uma hora pelo planeta" conclama a todos os cidadãos da Terra a ficar pelo menos uma hora com luzes desligadas, num ato simbólico que tem o objetivo de chamar a atenção para a causa ecológica. A página brasileira da ONG World Wide Fund for Nature (WWF, Fundo Mundial para a Natureza) traz mais detalhes.

Me parece um tempo muito longo para ficar na escuridão, pois encarei o desafio ontem (hoje a noite vou estar tocando) e vi que realmente não é tão fácil. Mas não porque deixei de ver televisão, ou porque fiquei sem computador, ou porque tive que tomar água morna da torneira pra não abrir a porta do refrigerador. Foi porque comecei a escutar demais.

Sem o estímulo visual, passei a dar mais atenção para o ambiente sonoro. E fiquei incomodado com o que ouvia. Televisões em volume alto, o constante "vruuummm" do trânsito da cidade, alguns gritos de crianças brincando fora de hora. Não ouvi grilos, água, estrelas - só ruidos de gente e máquinas.

Pessoas e seus cortadores de grama, DVD players portáteis, antenas parabólicas, caminhonetes movidas a diesel, freneticamente ocupando todos os espaços e encobrindo todos os silêncios. Enquanto isso, a TV do apartamento ao lado exibia o anúncio em que algumas celebridades "cool" pediam pra desligar as luzes. "Pare de consumir energia, seu, seu... consumidorzinho de merda", era isso que eu ouvia, já me sentindo culpado por ter ligado o notebook (usando a bateria, não a tomada...ufa!).

Sim, o mundo está esquentando. Geleiras derretendo, baleias encalhando, pingüins perdidos, chuvas excessivas em Santa Catarina, seca e incêndios na Austrália, nevascas na Espanha, furacões em New Orleans, conseqüências diretas ou não do aquecimento global causado pela ação humana. Tudo isso me assusta e me faz pensar que já não estamos mais em sintonia com nosso planeta. Mudamos o meio ambiente, e já não nos sentimos mais em casa. E eu, na minha própria casa, com um calor danado no escuro (porque Araraquara é quente mesmo e não liguei o ventilador para não desperdiçar energia elétrica), ouvia um mundo que já não parecia amigável.

Irritado, pensei em formas de mudar esse panorama. Ligar para a prefeitura e pedir que fiscais multassem todos os carros com escapamentos furados? Chamar a polícia para dar uma dura no vizinho com o som alto? Não, não sou encrenqueiro. Então, como "salvar" o ambiente sonoro? Corrijo: salvar o meu ambiente sonoro? Pensei em John Cage: "pare de tentar o mudar o mundo, você só tornará as coisas piores", sempre citado pela minha amiga-guru Janete El Haouli. Pensei então em mudar pequenas coisas ao meu redor. Não posso parar a poluição do mar, do ar, a queima da Amazônia, o buraco na camada de ozônio (há quanto tempo não se fala nele né?...). Mas posso tentar parar o excesso de barulho ao meu lado.

Criei a minha campanha. "Uma hora pelos ouvidos", com o objetivo simples de desligar, impedir, abafar, minimizar todas as fontes sonoras das casas por uma hora, em data a combinar. E isso inclui até as lâmpadas, pois fazem um barulho danado (no escuro se percebe). Pois alguns fatos mostram que, se o planeta está pegando fogo e precisamos parar de desperdiçar recursos naturais, os seres humanos estão à beira da loucura de tanto ruído que produziram:

- A escala decibel, que mede a intensidade sonora, é logarítmica - o que significa que, a cada aumento de 10dB, a força do som é multiplicada dez vezes. Assim, o menor som audível (quase que silêncio total) é de 0 dB. Um som 10 vezes mais forte tem 10 dB (10¹). Um som 100 vezes mais forte do que o próximo ao silêncio total tem 20 dB (10²), e assim por diante. Uma conversa tem 60dB. Qualquer som acima de 85 dB pode causar perda de audição, dependendo do tempo de exposição ao som.

- pesquisa de um engenheiro curitibano mostra que o nível de ruído dentro de ônibus urbanos pode chegar a 81 dB. Em São Paulo, os níveis de ruído em algumas das principais ruas ficam entre 88 e 104 dB. Nas áreas residenciais, variam de 60 a 63 dB, superiores portanto aos 55 dB dados como limite pela lei de Silêncio daquela cidade.

- um iPod ou walkman podem produzir um volume máximo equivalente ao de uma britadeira, algo em torno de 120 dB (só pra lembrar, isso é 10¹² vezes mais forte que uma sala silenciosa).

- uma pesquisa da Universidade do Califórnia, mostrou que diversos brinquedos americanos emitem sons que, aos ouvidos de uma criança, correspondem ao de um aspirador de pó (mais de 100 dB).

- Outra pesquisa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que fetos submetidos a um som forte aumentou-lhes a freqüência cardíaca de 140 para até 170 batimentos por minuto. Na mesma linha, pesquisadores canadenses verificaram que crianças cujas mães trabalharam em lugares muito ruidosos durante a gestação ouvem três vezes pior do que outras crianças.

- Rio de Janeiro e São Paulo são, nessa ordem, as metrópoles mais barulhentas do mundo, principalmente devido ao intenso tráfego de veículos, responsáveis por 80% dos ruídos.

-Tóquio ocupava a primeira posição no ranking do barulho há dez anos. Mas os japoneses (sempre eles) começaram uma campanha de bom senso pedindo para que todos diminuíssem a produção de ruídos a partir das 22 horas. Isso desencadeou uma "convivência silenciosa" - e civilizada - que coloca a cidade hoje no décimo lugar entre as metrópoles mais barulhentas.

- a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma categoricamente: o barulho faz 210.000 vítimas de infarto por ano no mundo. Não é de se estranhar, pois nosso organismo é afetado or qualquer som acima dos 60 decibéis (o equivalente a uma conversa). Como defesa, o cérebro dispara ordens para que as glândulas supra-renais liberem doses de cortisol e adrenalina, os hormônios do stress. Por isso sons altos estão no terceiro lugar no ranking de problemas ambientais que mais afetam populações do mundo inteiro.

- há barulho demais que chega a causar assombração. Um relato de um engenheiro inglês é curioso: perseguido por uma suposta aparição freqüente de fantasmas em seu laboratório na cidade de Coventry (Inglaterra), ele descobriu após uma série de investigações que as silhuetas cinzas que constantemente via eram resultado de uma exposição involuntária a uma frequência subgrave de um aparelho exaustor recém-instalado no local. Uma vibração de 18,9 Hz (um pouco abaixo do limiar de nossa escuta, de 20Hz) causava alterações visuais devido ao "tremor" do globo ocular exposto ao imperceptível som do aparelho.

- pesquisas mostram que os níveis de ruído no Reino Unido triplicaram desde o início de 1980. Imagine quantos fantasmas não estão aparecendo por lá...

Desligar a luz me fez realmente ver muita coisa. Não diminuí a temperatura global, mas consegui começar esse texto. Desligarei as luzes mais vezes. Novamente não provocarei nenhum milagre que restaure o equilíbrio ambiental, mas terei começado a modificar meus hábitos, na linha "troque sua novela por um livro", ou Seinfeld por um blog, e talvez isso já resulte em uma vida mais produtiva e ativa - e me faça menos culpado por gastar energia elétrica escrevendo enquanto derrubam a Mata Atlântica e meu vizinho usa seu George Foreman Grill para fazer churrasquinhos regados a funks e pagodes no último volume.

3 comentários:

  1. Murilo, você é maravilhoso. Escreve bem e afeta as pessoas - seus ouvidos principalemente - por meio de palavras que soam em nosso corpo. Parabéns pelo texto sensível, crítico, respeitoso e comprometido com o social e com o humano. Abraço silencioso da amiga Janete

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  2. Eu moro na principal avenida de Piracity e sofro muito com os barulhos e falta de respeito alheios. Você já reparou que só quem gosta de música ruim é que coloca o som do carro super alto, é um fenômeno a ser estudado rsrs
    Passa lá no meu blog também http://entelas.blogspot.com/

    Beijão

    Flávia Romanelli

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  3. PÔ, mais amor pelo George Foreman Grill. Ele evita que eu precise começar a correr, ou algo assim. Por enqüanto.

    Isto posto, digo que a poluição sonora é realmente uma das que mais me incomodam - ao mesmo tempo emque é a menos lembrada pelos treehuggers de plantão...

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