Meses atrás, um escândalo (mais um) era alardeado pela TV: contêineres de lixo hospitalar chegavam dos Estados Unidos, comprados por comerciantes do norte do Brasil e transformados em bolsos para calças jeans, revendidas a todo o País. Esse é apenas um lado perverso da economia global e sua lei simples: a mercadoria chega, pelo menor preço possível, aonde há procura – mesmo que seja lixo. A cultura de massa do século XXI segue a mesma lógica.
A música americana é consumida na Europa desde o fim da 2a Guerra Mundial. No pós-guerra, o jazz – o melhor produto cultural americano – lá encontrou sua plateia mais encorajadora. Os beboppers eram vistos como malucos nos EUA, mas o existencialismo francês e sua filosofia de liberdade radical adoraram as experimentações harmônicas do jazz moderno.
Já o mercado cultural brasileiro sempre foi um grande fã das tendências francesas – desde 1900 a 1960, tudo era copiado de Paris. Mas passamos a consumir música popular americana desde que Elvis Presley chegou pela TV e conquistou a juventude bossa-nova. Do rock da Jovem Guarda nos anos 60 ao hip-hop e às bandas indies nos anos 2000, consumimos por anos a fio a música de massa dos EUA, superproduzidíssima para aparecer bem na telinha do canal jovem de videoclipes. E mesmo assim, as rádios, as novelas de TV e os programas de auditório nunca deixaram de tocar música feita aqui. Talvez isso mostre a força da nossa cultura, mas ao custo de uma certa perda da inocência, da criatividade, e do elã antropofágico e tropicalista exibido por grupos baianos, mutantes, secos e molhados – haja visto o surgimento de estilos de origem regional que foram adaptados à grandiloquência da cultura de massa, como o axé, o pagode romântico e o sertanejo universitário.
As técnicas para se produzir um sucesso, entretanto, continuaram tão antigas como a das marchinhas de carnaval: basta criar uma dancinha, um trocadilho de apelo sexual, um refrão-pílula, que pode ser um “tchê”, um “tcha”, e esperar que a música pegue. Apesar de achar que a música pode ser mais que um eterno baile de carnaval regado a “vou te pegar” e “dar uma fugidinha”, não vejo problema algum nesse tipo de diversão ligeira. A perversidade está mesmo é no aparato de comunicação e marketing voltado a espalhar essa música, oferecendo a nossos ouvidos apenas um canto monótono de vibratos em terça e rebolismos vulgares.
A verdade é que, de tanto consumir fast-foods culturais, hoje o Brasil aprendeu a fazer sua própria cultura enlatada. Os megashows brasileiros não devem nada ao showbusiness americano – igualmente povoado por artistas apelativos e cheios de rimas fáceis. Por isso, agora somos nós que mandamos para o mundo contêineres cheios de “produtos” musicais. E a Europa, em plena crise econômica, canta e dança ao som do vanerão brasileiro dos neo-sertanejos Gustavo Lima e Michel Teló – música bem mais leve e divertida que o jazz refinado do pós-guerra.
As plateias mais requintadas dos Estados Unidos e Japão até que consumiam a música brasileira, com suas sofisticadas composições da bossa-nova, chorinho e samba-jazz. O que não se via – desde Carmem Miranda, mantidas as proporções – era um artista brasileiro bombando nas pistas, nos programas de auditório, em aeroportos, rádios e até em escolas, como acontece com Michel Teló e Gustavo Lima – feito digno de uma Shakira ou Ricky Martin, artistas latinos que conquistaram as paradas mundiais.
Ok, então somos “exportadores” de cultura. Os americanos, que começaram toda essa história de globalização econômica, serão os próximos a receber nossos contêineres. Mas eles têm um patrimônio cultural protegido e valorizado: o jazz, ensinado em faculdades e até em escolas públicas. Na Europa, a arte de Mozart e Beethoven é tratada como disciplina escolar há séculos. Esses povos sabem a diferença entre música de verdade e mero entretenimento. Enquanto isso, no Brasil, o lixo cultural importado encontra ouvidos despreparados e um mercado consumidor em franco crescimento. A continuar assim, seremos apenas uns infelizes orgulhosos vendedores de nosso refugo musical, mas dançando ao som do baile americano e vestindo nossas calças jeans com bolsos feitos de lixo.
* texto originalmente publicado pela revisa Bleit (Boa Leitura), edição n1, julho/2012.
É isso aí, Murilo, nós já absorvemos muita porcaria de fora e nossa vingança será terrível!
ResponderExcluirBoa tarde Murilo. adorei seu artigo na revista Bleit.O que me gerou algumas indagações com relação ao ocorrido recentemente em show do sertanejo universitário, Gustavo Lima.
ResponderExcluirLEGIÃO RURAL? - Rodrigo Sá Pedro
O estrago físico causado na cabeça de uma menina de 10 anos pelos destroços da guitarra de Gustavo Lima quebrada e atirada por ele na platéia durante um show, pode ter sido um incidente infeliz, mas o mesmo não pode se dizer da insistente, massificante e horripilante música enlatada brasileira.Na qual se inclui o Sertanejo Universitário.Estaríamos vivendo a Legião Rural?Renato Russo de outra Legião, a Urbana, já previa em sua Geração Coca Cola:"Desde criança nós comemos lixo, industrial, comercial, mas agora chegou nossa vez vamos cuspir de volta o lixo em cima de vcs!" Pois é a Legião Rural Universitária assim está fazendo , cumprindo a profecia do nosso antigo legionário. Voltando a história do marketeiro que quer agora ser Sex Pistols...O estrago físico, os pontos na cabeça da menina de 10 anos citado no início do texto, dá uma dimensão do estrago que essa música pode estar causando aos nosso cérebros.O estrago externo causado pela guitarra de Gustavo Lima na cabeça da menina supracitada é visível, conseguimos ver e dimensionar.Agora o estrago que essa uniformização da cultura de massa brasileira em enlatados como o chamado Sertanejo Universitário vem causando internamente na cabeça e no cérebro de outras milhares, aliás, milhões de crianças e adultos de todas as idades também já passou da hora de ser tratado. — em DE - RODRIGO SÁ PEDRO - botroslacan@gmail.com
Fala Murilo!!!!! Parceiro de ideias e Sons!!! Um Grande Abraço - Marcelo Rocha Baixista e Editor da Revista Bleit
ResponderExcluir